Do que tratou essa missão organizada pelo Portal Copa 2014?
O Time dos Arquitetos da Copa (que integram o Fórum dos Arquitetos da Copa, junto com o Sinaenco) vem se reunindo com o objetivo de compartilhar experiências, dificuldades e soluções, elevando o nível geral dos projetos e nivelando conceitos, por exemplo, o de sustentabilidade.
A viagem à África do Sul permitiu que os arquitetos conhecessem in loco as diretrizes e o padrão Fifa para os estádios com a antecedência de quatro anos, permitindo uma visão mais ampla e completa, em especial no que tange a especificações técnicas, padrões de acabamento, contexto urbano e definições gerais de projeto.
Em resumo,”materializa” as concepções e os desafios de projeto que já se fazem presentes.
Quem fazia parte do Time dos Arquitetos?
O Time dos Arquitetos é composto por representantes dos escritórios envolvidos nos projetos dos estádios das 12 cidades-sede.
Nesta viagem em particular, tivemos a participação de:
1 Danilo Carvalho Grupo Stadia Manaus 2 Laura Penna Gustavo Penna Belo Horizonte 3 Risia Botrel Gustavo Penna Belo Horizonte 4 Marc Duwe Setepla Salvador 5 Alfred Talaat Ruy Ohtake São Paulo 6 Daniel Fernandes Daniel Fernandes Recife 7 Ronald Werner Hector Viglieca Curitiba 8 Diego Perez Carlos Arcos Curitiba 9 Mauricio Santos Hype Studio Porto Alegre 10 Sergio Coelho GCP Cuiabá 11 Alessandra Araujo GCP Cuiabá 12 Adriana Oliveira GCP Cuiabá 13 Eduardo de Castro Mello Castro Mello Brasília 14 Vicente de Castro Mello Castro Mello Brasília 15 Ralf Amann GMP Manaus
Quantas pessoas estavam nessa missão e qual o objetivo dela?
A missão foi composta de 24 pessoas: os 16 arquitetos acima, representantes do Sinaenco, do Portal Copa 2014 e dos patrocinadores.
Quais estádios foram visitados?
Foram visitados seis deles:
1 – Soccer City – Johanesburg
2 – Ellis Park – Johanesburg
3 – Loftus – Pretória
4 – Moses Mabhida – Durban
5 – Nelson Mandela Bay – Port Elizabeth
6 – Green Point – Cape Town
Qual se destaca como modelo de bom planejamento e projeto?
O estádio moderno mescla características industriais (infraestrutura, robustez, porte, acabamentos) e hotelaria/convenções (equipamentos, sonorização, segurança, amenidades, automação) e, portanto, é uma obra de grande complexidade operacional.
Assim, é desejável que as obras estejam prontas – pelo menos – oito meses antes dos eventos (no caso, a Copa das Confederações), a fim que tudo possa ser adequadamente comissionado, ou seja, exaustivamente testado e melhorado (para a África do Sul, a data seria novembro de 2008).
Até onde sabemos, nenhum dos estádios da África do Sul observou esse cronograma, e vários serão comissionados no último instante, quando não haveria tempo hábil para correções.
Há que se diferenciar o planejamento da Copa do planejamento do projeto e obra.
A África do Sul personifica hoje um mau exemplo no que tange o planejamento da Copa; já em relação ao planejamento do projeto, voltamos com a sensação de que os estádios de Durban, Port Elizabeth e Cape Town tenham tido um bom planejamento de projeto, embora haja espaço para uma crítica em relação ao grande volume de materiais e itens importados, em especial da Europa (em alguns estádios, as estruturas metálicas, coberturas, sistemas elétricos, de sonorização, iluminação etc.)
Que boas lições de planejamento podemos tirar da experiência africana?
A grande lição a ser aprendida é que a Copa é um evento que provê dois grandes benefícios: a superexposição do país (vem automaticamente) e o legado deixado (que depende da qualidade do planejamento, do engajamento da sociedade/população e da qualidade do governo).
E, neste contexto, planejamento é a capacidade de se projetar no futuro e decidir o futuro que o país deseja após esse evento e essa superexposição; decidir o legado que se quer deixar, se apenas uma grande festa ou um país com mais infraestrutura, mais oportunidades e menos desigualdade social.
Planejamento é também a capacidade de projetar e superar desafios sociais, técnicos e de logística; de identificar a vocação de cada cidade-sede e criar as condições para que o futuro projetado seja o presente em 2014.
A África do Sul, pelo que pudemos perceber, levará da Copa 2010 pouco mais que a superexposição do país e um eventual incremento do turismo e negócios associados, sem quaisquer melhorias visíveis para os problemas que assolam o país: falta de segurança, problemas com a saúde pública, deficiência de infraestrutura, energia, água.
O que mais chamou a atenção nos preparativos para a Copa na África do Sul?
O que mais chama a atenção é, paradoxalmente, aquilo que não foi feito, aquilo que não será corrigido, como a ausência de transporte público nas metrópoles, a falta de segurança – constantemente – propalada, o desinteresse e a falta de engajamento da população com o evento e os turistas.
Chama a atenção, ainda, que apenas o estádio Soccer City, em Johanesburg, guarde alguma relação aparente – e intencional – com a cultura africana em sua concepção, assim como uma releitura do artesanato local e dos artefatos de barro espelhados em sua geometria externa, e nas cores adotadas.
Como estão em relação à mão de obra?
A mão de obra local é de baixa qualidade, baixa escolaridade e baixa produtividade. A pressão dos governos locais e central para uma contratação maciça nos canteiros de obra contrasta com o fato de que todos os empreiteiros dos estádios são europeus.
Desta forma, relegam-se à mão de obra local apenas os trabalhos de menor relevância e baixa especialidade (e, portanto, baixo valor agregado e reduzido pagamento), ficando os itens de maior valor agregado e importância contratados de empresas europeias em sua maioria (nenhum fornecedor da América do Sul, diga-se de passagem).
O resultado são processos e obras que não refletem a cultura local, tampouco espelham a capacidade técnica sul-africana.
O que se destaca em termos de técnicas e materiais construtivos?
De forma geral, impressionam o porte dos estádios e a infraestrutura instalada, por uma única razão: a grande maioria das edificações esportivas brasileiras de maior porte tem 40 anos ou mais, e normalmente estão em mau estado de conservação, totalmente defasadas.
À exceção de uma membrana amplamente utilizada nas coberturas (fabricada na Alemanha), não há nada além do design dos estádios que salte aos olhos ou represente desafio técnico para as construtoras brasileiras, tampouco para os nossos arquitetos.
Impressionam a ousadia das concepções arquitetônicas (embora menos comprometidas com a sustentabilidade e com a relação com o lugar e a cultura local, como nos projetos em curso no Brasil), não sem uma implicação: o custo médio informado dos estádios da África do Sul é da ordem de 300 milhões de euros (em torno de R$ 750 milhões), com casos que alcançaram 400 milhões de euros (cerca de R$ 1 bilhão).
Por fim, voltamos com a preocupação de que o que se vê hoje na África do Sul possa ser a antecipação do que venha a ser a nossa própria realidade em quatro anos.
Com a preocupação de que os investimentos limitem-se aos estádios e a soluções temporárias e paliativas para um evento apenas, com durabilidade de 20 dias.
Com a preocupação de que os dividendos sejam apenas políticos, e o legado constrangedor.