A rua da Consolação ficará mais escura. A Lustres Bobadilha, a mais antiga loja de luminárias da rua da Consolação, em São Paulo, fecha as portas no dia 26 outubro. Até lá, a empresa liquida seus produtos. É o fim da lenta agonia de uma loja que vendeu decoração para alguns dos milionários mais famosos do Brasil e sofre desde a morte do seu fundador.
Quando a Bobadilha começou, em 1953, a Consolação era uma rua estreita, com linhas de bonde sobre o piso de paralelepípedo. Os irmãos Íbero e Izer Bobadilha abriram o comércio vendendo materiais de construção para a classe média afortunada que morava nos casarões de bairros como Higienópolis e Jardins.
Íbero chegou a vender móveis e itens de jardim, mas acabou se especializando em lustres. A casa passou a receber luminárias do início do século XX e candelabros feitos à mão com cristais da Itália, Argentina e Tchecoslovásquia, entre outros países.
Em 1959, o teatro Record abriu no quarteirão ao lado da Bobadilha. O prédio foi palco de importantes festivais de MPB. Ali, Chico Buarque e Nara Leão ganharam o primeiro prêmio com a música A Banda – eles dividiram a honraria com Jair Rodrigues, que cantou Disparada.
A Bobadilha caiu no gosto dos artistas. Todos eram convidados a assinar O Livro de Ouro. Quem folheia o volume vê mensagens do ator Mazzaropi, do boxeador Eder Jofre, do humorista Jô Soares. Roberto Carlos desenhou um calhambeque. O cantor de serestas Francisco Petrônio traçou uma cartola com bengala. O teatro pegou fogo 10 anos depois da inauguração, mas Íbero continuou vendendo lustres para famosos. Esses clientes, é claro, aumentavam o prestígio da Bobadilha.
Outra boa ideia de marketing foi o slogan Ideias luminosas, Lustres Bobadilha, que arrematava o jingle da empresa. Os paulistanos de mais idade ainda se recordam da mensagem ao som de marchinha Tempo é dinheiro, ganhe dinheiro não perdendo tempo, visite lustres Bobadilha. Sílvia, a filha do empresário e quem está hoje a frente da loja, lembra-se da manhã quando Íbero inventou a frase. Ele deu um grito ao acordar no sítio da família em Atibaia. “Achei!”.
Quando as luminárias de acrílico entraram na moda, o empresário passou a produzir as suas versões numa oficina. Nessa época, a empresa tinha mais de 50 funcionários e funcionava até às 22h.Da pequena fábrica saíam lustres vermelhos, arandelas cor-de-laranja e sobras de plástico, que Sílvia, furava e transformava em chaveiros. Mas a menina era fascinada, mesmo, pelos pingentes. Ela olhava fixamente para as gemas dos lustres até ficar vesga e sentir que entrava no cristal. Lá dentro, enxergava as sete cores do arco-íris.
O lento declínio da Bobadilha começou quando Íbero morreu, em 1988. Sílvia segurou a empresa expondo lustres na Daslu – os clientes da boutique de luxo encomendavam modelos sob medida para seus salões de festa. A empresária também fazia manutenção das peças e até tentou vender lustres pela internet.
Mas pouca coisa mudou desde a década de 1990, quando o prédio passou pela última reforma. As paredes com pintura desbotada ainda estão cobertas por arandelas – banhadas a ouro, esculpida em bronze ou feitas de ferro martelado. Quando atravessei a porta discreta na vitrine de madeira, encontrei móveis empoeirados pela fumaça dos automóveis, dois leões de mármore sobre o carpete desbotado e cerca de 300 lustres.
A ideia de fechar a loja já tem dois anos. Sílvia acredita que a Bobadilha está no lugar errado – a Consolação tornou-se uma avenida importante da capital, onde é difícil estacionar e quase impossível notar a vitrine discreta da Bobadilha com seus belos abajures modelo Tiffany. Além disso, a herdeira está cansada de enfrentar os 15 km diários de trânsito pesado de casa até o local.
Quem continua a crescer são Roberto Carvalho e José Carlos, dois dos proprietários das Casas Roberto. A receita da empresa aumentou 25% em 2012. Como Sílvia, Roberto passou a infância numa loja fundada por seu pai. O Roberto pai abriu com uma oficina mecânica, mas em alguns anos seu negócio se especializou em lâmpadas e material elétrico.
“A Bobadilha não se modernizou, parou no tempo”, afirma Roberto filho. Ele e o sócio inventam maneiras de sobreviver no mercado mutante da iluminação. Uma ideia foi abrir uma loja extra no fim do ano. Já venderam pela internet e até experimentaram inaugurar um ponto na Gabriel Monteiro da Silva, a rua onde se vende decoração de luxo em São Paulo. Os dois mostram as caixas de lâmpadas ocupando quase todo o andar superior do sobrado enquanto falam com entusiasmo das novas lâmpadas. “Os LEDs estão mudando rápido demais”, explicam. “E as lâmpadas incandescentes vão acabar desaparecendo”.
Pedro e Sergio Libanori, pai e filho que dirigem a loja com o sobrenome da família, também mantém o sucesso. Depois que Sílvia fechar as portas, a Libanori torna-se a loja de lustres mais antiga ainda em funcionamento. Pedro, um senhor de cabelos brancos que encontro jogando paciência no computador, fundou a loja em 1959.
Ele também acha que o concorrente não soube acompanhar as mudanças. “Na época do auge da Bobadilha, o lustre era um complemento da decoração, só um detalhe. Comprar um lustre era só pendurar no teto”, recorda-se. “Hoje em dia, tem gente que vem com fotografia e a gente faz uma montagem no computador, no… como é que chama aquele negócio no computador, hein?”, pergunta, apontando para um software de arquitetura na tela.
A Lustres Libanori tem três pontos de venda na rua. Dentro de um deles, os carros estacionam em um corredor cercado por spots, abajures e luminárias baratas de design moderno. Muitas usam luzes LED. Porém, os produtos mais importantes são lustres feitos com cristal industrializado egípcio ou italiano, além de cristais da marca austríaca Swarovski.
O vizinho de maior sucesso é a lustres Yamamura. A loja tem 70 vendedores uniformizados atendendo o público. Dentro, há até uma franquia do Rei do Mate, onde os clientes comem debaixo de paflons, também à venda. A fachada do prédio está sendo transformada em uma vitrine de três andares. Nessa espécie de home center de luminárias dá para comprar de abajures baratos a lustres de festa com cristais – de países como a China, Estados Unidos.
O gosto pelos lustres clássicos vem diminuindo, na opinião do arquiteto Guinter Parschalk responsável pelo projeto luminotécnico do moderno Hotel Unique, em São Paulo. “Se a gente acompanha a história da Casa Cor, vê que antigamente ainda havia bastante coisa clássica. Hoje em dia, se tiver clássico, está em um ambiente ou outro”, afirma. Parschalk conta que surgiram novas concentrações de lojas de iluminação espalhadas por São Paulo – no bairro do Tatuapé, no Shopping D & D e também na Gabriel Monteiro da Silva.
Na sua loja, Sílvia reclama dos novos tempos: “Hoje todo mundo quer só vender, vender, vender. Acho que mais vale fazer uma amizade do que só vender. Meu pai sempre me ensinou a fazer as coisas de uma vez só e bem-feitas”.
Ela aponta um lustre com pingentes ônix branco. “Meu pingente é lapidado manualmente. É um sino” – e bate uma pecinha à outra. Em outro canto da loja, há um pendente do tipo inglês. “As miçangas são austríacas. O vidro givrê foi feito à mão. Na liga das hastes vai até estanho”, enumera Silvia. O plano é vender o máximo possível nas próximas três semanas. Ao fim desse períod, a loja finalmente apagará as luzes.