Uma selva de bolso: conheça a urban jungle do centro de São Paulo
O espaço multifuncional mostra a importância da convivência com as plantas, desapego e ressignificação dos objetos e seus usos
por Luiza CesarAtualizado em 26 Maio 2022, 23h48 - Publicado em
11 Maio 2022
19h00
Caro leitor, deixe de lado todos os seus padrões de estética. A partir de agora vamos adentrar um lugar muito especial. O desafio é deixar todas as expectativas de lado para poder mergulhar nessa pequena floresta e, assim, compreender seu propósito e importância.
Quem não está acostumado com o centro de São Paulo nem acredita que um espaço urban jungle está disponível para aproveitar drinks, realizar eventos e se hospedar. Em meio a tanto concreto e próximo de alguns dos prédios mais importantes da cidade, no 43º andar do Mirante do Vale, um respiro verde traz de volta o senso de coletividade e a conexão com a natureza que, infelizmente, se perdeu no meio do caos da pandemia.
Inaugurado em 1966, o Mirante do Vale é o maior prédio da cidade e foi projetado por Waldomiro Zarzur. Por 48 anos também foi o maior edifício do país e o 18º arranha-céu mais alto da América do Sul. Com um histórico deste, muitos devem pensar que as memórias aqui são gloriosas, mas não é bem assim.
Carregando muitas histórias cabulosas de moradores, comerciantes e empresas, o prédio vem tentando reconstruir suas origens, o famoso Sampa Sky – que oferece um olhar de São Paulo por um bloco de vidro – é mais uma experiência que vem trazendo a popularidade do Mirante de volta. A outra, que se destaca pela sustentabilidade, funcionalidade e, principalmente, impacto, é o Andar 43.
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Raízes da pandemia
Tudo começou com o francês Charly Andral, produtor cultural, que na busca por um lugar para morar encontrou um tesouro dentro do Mirante. O apartamento conta com uma vista hipnotizante do Vale do Anhangabaú, Teatro Municipal, Farol Santander e da Praça das Artes que pedia para ser compartilhada com outras pessoas.
Foi assim que sua imaginação foi a milhão, renunciando a ideia de morar ali para poder investir em eventos sociais e experimentações artísticas: “O maior prazer foi quando comprei a sala e estava totalmente vazia. Eu pirei a noite inteira fazendo diversos planos”, conta ele.
Esta foi a cereja do bolo para Charly, que trabalhou durante 8 anos no mundo corporativo e largou tudo para vir para São Paulo, onde se apaixonou pela cidade, especialmente pelo centro: “acho muito rico e intenso, achei um lugar bem desafiante para vir. Pensei que aqui não iria me entediar nunca. Cheguei, aprendi português e foquei na minha carreira em produção cultural.”
Uma instalação de um triângulo de redes idealizado pelo arquiteto e antropólogo Thiago Benucci inaugurou a sala. A selva veio depois, filha da pandemia, onde todos nós estávamos com sede por natureza e um lugar aconchegante. Como o cenário impossibilitava a realização de eventos, a ideia de uma hospedagem e um pequeno cantinho para que as pessoas conseguissem fugir da rotina, se adequou melhor.
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Apesar de ter se formado em ciências políticas, Charly sempre gostou de arquitetura, influências da sua mãe urbanista, e foi o criador do projeto e da cenografia geral. Mas outras mãos fizeram tudo acontecer. Reinaldo Apablaza, chileno formado em design, trabalhou por 6 anos em viveiros de reflorestamento na região de São Paulo e ajudou na curadoria das plantas – afinal, são mais de 100 espécies exibidas no espaço.
João Vidal é outra pessoa muito importante para o funcionamento do Andar 43. Ele, que também é morador do Vale, conheceu o trabalho de Charly antes de se mudar e tinha o desejo de fazer parte do projeto de alguma forma. Foi assim que os dois se conheceram e se conectaram. Hoje, João é o braço direito do francês.
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A ideia por trás da urban jungle é destacar um dos biomas mais ricos e que ocupa uma boa parte do Brasil, a Mata Atlântica: “Um colega urbanista me ofereceu um livro do Burle Marx que tinha uma pegada de valorizar os biomas brasileiros. Então tive a ideia de inserir plantas aqui, achei que elas fariam sentido no centro de São Paulo para trazer uma narrativa – sobretudo com o Vale do Anhangabaú”, explica Charly.
Construir uma selva dentro de um apartamento de 70 m² e no meio de uma das maiores cidades do país, é surpreendente e impressionante. Com uma agenda muitas vezes lotada de eventos, a reconfiguração e organização do espaço são palavras-chaves para o seu funcionamento. E é aqui que entram os móveis “dobráveis”, oferecendo muita modularidade.
Quem passa por ali não acredita que além de bar e restaurante, é também uma hospedagem, local de oficinas e várias outras atividades. Mesmo sendo pequeno, a sala consegue camuflar bem todas as suas funções.
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Decoração
“Aqui acho que é um pouco fora dos padrões do Casa.com.br”, brinca Charly que sabe que muitas pessoas que entram na sala sentem um choque inicial.
Todas as peças e móveis que fazem parte do espaço foram, em algum momento, descartados pelos moradores do prédio, que no Andar 43 encontraram um novo lar. Esta escolha estética também possui outra razão: mostrar a história de um lugar que sofreu muito abandono.
E, cá entre nós, parece que até as plantas sentiram esta energia poderosa de uma São Paulo dos anos 60 e 70, pois você consegue ver os ramos se apoiando nas vigas e atravessando armários.
“Um dos nossos focos é resgatar coisas – memórias, biomas, móveis e acessórios – e não comprar tudo novo. O desafio é ter cuidado com o histórico do Mirante e tentar reutilizar tudo o que dá”, conta o criador.
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Uma cabine fotográfica, por exemplo, encontrada no Facebook Marketplace foi desmontada e virou uma ducha no meio da sala – que se provou ser um pouco traumática para alguns usuários. O estilo escolhido enfatiza o choque estético das imperfeições, seja pela reciclagem ou pelo tempo.
Em um espaço que proporciona uma sensação de liberdade, por estar cercado pela natureza e te deixar livre para se relacionar com o entorno, é esperado que comportamentos e visões sejam mudados. Até mesmo em relação a bagunça – onde já se viu estar cercado por mais de 100 espécies e não ter uma sujeira ali e aqui? Se prepare para muitas desconstruções!
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“Você vive da forma mais natural possível, você vai acordar com o sol às 5 da manhã, por exemplo. É uma experiencia de existir 100% com o movimento da cidade e do sol. É como se fosse um mini terrário e a gente fosse os bichos que a cidade está olhando através do vidro. Às vezes a gente não sabe quem está olhando quem porque é uma sala bem exposta. É realmente uma relação de troca de olhares”, complementa Charly e João.
As janelas grandes e sem cortinas é um dos elementos de maior destaque e que sai da tradição da maioria das casas e apartamentos. Em uma cidade grande e agitada, a tendência é que você consiga ter uma certa privacidade no seu lar – puxando as cortinas e se escondendo do mundo. Porém, como já aprendemos, convencional não faz parte do dicionário do Andar 43.
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Organização
Você já ouviu falar da Golden Ratio? Também conhecida como proporção áurea, ela apresenta um equilíbrio perfeito – baseado na sequência de Fibonacci. Presente em diversos lugares da natureza, seu desenho e configuração são agradáveis ao olho humano – o que a fez muito popular em construções arquitetônicas e obras de arte.
Junto com Reinaldo, a organização e decoração do espaço foi baseado neste conceito de construir uma dinâmica de curva, justamente para deixar as coisas mais fluídas.
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Versatilidade
Quem aqui não desejou passar uma noite fora de casa com o crush na pandemia só para tomar um vinho e pedir um delivery? Com a necessidade de respirar novos ares mas de uma forma segura, os airbnb’s se tornaram essenciais, e nada melhor do que fazer isso repleto de plantas e uma vista maravilhosa, certo?
Quando o espaço vira uma hospedagem, uma cama de casal sai da parede, onde fica escondida em um móvel embutido que expõe, em dois nichos, livros, flores, um globo e outros objetos decorativos.
“Existe uma certa agrofloresta aqui, com várias camadas de atividades sobrepostas e que se nutrem umas com as outras, são complementares. Estamos recebendo várias propostas de diversas coisas – de oficina de plantas secas à literárias – então é tudo bem intuitivo. Não temos um plano de investimentos para 10 anos, estamos 100% autônomos, com flexibilidade e independência”, explica Charly.
O produtor cultural também nos contou que o seu objetivo nunca foi segmentar a experiência, mas apresentar o espaço como um lugar para todo mundo – uma porta para públicos diversos. Existem eventos mais acessíveis e outros mais caros, sempre com um planejamento ser acessível.
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Fazer parte do ecossistema que o Mirante do Vale fez com que o Andar 43 recebesse diferentes tipos de apoios dos seus vizinhos. É um pequeno mundo girando e contribuindo – afinal, um ambiente tão receptivo atrai pessoas acolhedoras.
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Por trás de cada objeto
Ao passar pela porta de entrada da sala, o visitante se depara com três colunas de armários de arquivos, como se fosse um tempo da burocracia. A ducha “de Adão e Eva”, que citamos acima, recebeu um toque pop com uma bola de espelhos dentro. E a cozinha, montada com materiais em inox recuperados de restaurantes, é o centro das preparações dos jantares – para até 15 pessoas.
Além disso, existem elementos um pouco “aleatórios e que tem cara de lugar abandonado”, como diz Charly. Recipientes de laboratório com mudas dentro e até outros pequenos detalhes exibem muito bem a personalidade da selva – que tenta abrir caminhos no meio de tanta informação.
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As plantas
Roubando a cena no ambiente, não tinha como não falarmos das mudas presentes. A lista extensa contém até pau-brasil, pitangueira e jabuticabeira! Muitas também possuem particularidades que ajudam na respiração e filtração do ar. A seleção foi feita a partir das espécies da Mata Atlântica e depois foi levado em consideração as demandas de luz – lugar que cada uma recebe depende de suas necessidades.
Charly ainda enfatiza que aprender a cuidar da selva é um trabalho constante de lembrança e entender que cada vaso tem um briefing – principalmente quando o assunto é rega, que pode afetar muito a saúde de uma planta.
“Como a Mata Atlântica é uma floresta densa, muitas plantas que crescem aqui são de meia sombra, o que combina bastante com a iluminação da sala. Quem nos dá muita assistência é um colega, Salvador Campos, que verifica duas ou três vezes por mês se está tudo bem. E todos os cuidados são com técnicas orgânicas, não queremos colocar produtos químicos – especialmente quando recebemos tantas visitas. O desafio é tratar tudo com produtos naturais – comprando joaninhas e fungos, por exemplo”, explica ele.
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Já que este projeto deu tão certo, podemos esperar mais coisas pela frente?
“No início, a sala ia trocar de projeto a cada ano, mas confesso que foi tão trabalhoso de construir isso que, agora, estou pensando em deixar um pouco mais. O que também dá mais tempo para explicar a fundo cada projeto. Tem sempre coisas aparecendo, a gente quer fazer um projeto para a virada cultural, teremos mais eventos de gastronomia, então tem sempre novas ideias aparecendo para trabalhar com o conceito de Mata Atlântica e biomas brasileiros que criamos aqui, tenho muita vontade de continuar explorando isso”, finaliza Charly.
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Ficou com vontade de conhecer?
Todos os eventos são realizados com reserva, para não super lotar e guardar o aspecto privativo e atendimento personalizado. Confira a agenda: https://linktr.ee/andar43.sp
Gostou do projeto e gostaria de ajudar? O Andar 43 está com uma campanha de financiamento de oficinas para crianças, acesse aqui.