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Aprenda a manter a calma. Fuja das armadilhas que tiram seu equilíbrio

Mesmo que a vida surpreenda com duros golpes, é possível se esquivar deles e manter o equilíbrio. Conheça o círculo virtuoso da competição que não produz perdedores

Por Texto: Marcia Kedouk | Ilustrações: Marcus Penna
Atualizado em 20 dez 2016, 22h21 - Publicado em 4 ago 2014, 19h13

Diz a filosofia do aikido, arte marcial japonesa desenvolvida nos anos 1940, que quem ataca está sempre em desarmonia, porque não sabe usar a força que tem. Mas competir é humano. Está no nosso DNA, permeia o sistema circulatório desde o surgimento da nossa espécie. Naquela época, milênios atrás, vencer era ver o adversário cair por terra, bater no peito e mostrar ao bando a superioridade diante dos demais. Hoje, ninguém precisa disso. Só que, em maior ou menor grau, muitas vezes a gente se deixa levar pelos instintos e vai com tanta sede ao pote que atropela tudo e todos – a gente mesmo, inclusive, com toda dor que isso representa. O prêmio – uma promoção, o amor de alguém, o reconhecimento alheio – pode até vir, mas chega arranhado, opaco, já sem o brilho alegre de uma conquista. Mas tem jeito de embarcar nas disputas e conquistar seus sonhos sem destruir quem você é: fazendo da sua mente e dos seus adversários os maiores aliados que alguém pode ter. O segredo? Preparar-se para isso.

Quando um jogador treina para uma competição, ele conta com um time de especialistas para ajudá-lo não só a desenvolver suas habilidades técnicas mas também a lidar com as emoções. Acontece que a vida não imita o esporte e a gente enfrenta as Copas do Mundo diárias sem se dar conta de que é preciso conhecer nossos pontos fortes e fracos, saber ler os outros em campo e conquistar equilíbrio emocional para sair vitorioso, independentemente do resultado. O passo inicial é dar um novo significado ao instinto de competição. “Nossos antepassados precisavam muito mais do registro da dor para sobreviver,porque era ele que os livrava das situações de perigo. É por isso que, até hoje, nos lembramos mais facilmente de situações dolorosas do que das agradáveis, e reagimos espontaneamente para dar conta do pior, mesmo quando não existem riscos reais”, explica o psicólogo Julio Peres, doutor em neurociências. Fica fácil perceber esse comportamento no trânsito, onde todo mundo compete por espaço. Digamos que você esteja atrasado para um compromisso e o motorista da fila ao lado sinalize que quer entrar na sua faixa. É bem possível que sua reação seja a de pisar mais forte no acelerador. E a dele provavelmente será a de pegar a sua frente mesmo assim. Essa aparente derrota não precisa despertar raiva nem causar mal-estar ou uma reação exacerbada de defesa. “Sua vida não sofre ameaça direta. Você não vai morrer, embora, inconscientemente, seu instinto de sobrevivência faça com que se sinta no dever de se defender de uma catástrofe”, pondera Peres. Resignificar esse padrão instintivo pressupõe adotar a estratégia do passo atrás: parar, respirar, olhar por outros ângulos e compreender o todo. Deixar a alma sentir. Sem essa preparação, é grande o risco de agir por impulso e exagerar na dose. “No aikido, você aprende a fazer de tudo para evitar um conflito – mas está sempre bem preparado para ele”, ilustra o professor Paulo Sergio Cremona, mestre da Academia Cremona Dojo Aikido, em São Paulo. A prática constante e a repetição das técnicas leva você a perceber a intenção do outro e a atuar defensivamente mantendo, o tempo todo, o equilíbrio.

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As estratégias do bom combate

O primeiro aprendizado é vencer seu maior inimigo: você mesmo. Olhe para o seu íntimo e avalie, sinceramente, como andam a autoconfiança e a autoestima. Elas são aliadas importantes para que o motivo da competição seja apenas o amadurecimento ou o aprendizado, e não uma recompensa. É mais fácil entender quando pensamos, por exemplo, em um embate entre irmãos. Natural que um dos envolvidos queira conquistar aceitação. “Na primeira infância, acontece uma disputa pela atenção da mãe – outro resquício do instinto de sobrevivência. Até os 4 anos, é comum que esses aspectos prevaleçam. Se os pais valorizam a individualidade dos filhos, logo eles percebem que não precisam se sobressair para sobreviver”, detalha Julio Peres. Só que, dependendo da criação de cada um, um adulto pode carregar por toda a vida a sensação de que precisa provar o tempo todo que é especial ou merecedor de carinho. E isso nos leva à segunda estratégia de uma competição do bem: compreender as fraquezas alheias e agir sobre elas de forma a reverter o ataque. Muitas vezes, o oponente é uma pessoa insegura, que precisa se certificar de que tem qualidades. Se você se conhece e sabe das suas potencialidades, não vai sentir necessidade de levar à derrota um oponente tão frágil. A atitude mais sábia e serena aqui é absorver o impacto das investidas ou, diante da força desmedida, se esquivar dos golpes lançando mão da abençoada cooperação.

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Enxergar o outro como parceiro, em vez de adversário, faz com que todos ganhem. Tudo bem que a gente sabe como é duro se aproximar genuinamente daquele colega no trabalho que quer o mesmo cargo que você, por exemplo. Ainda assim, vale a tentativa – e o caminho é silenciar a mania de comparação. “O mundo hoje é muito competitivo. Por isso, é comum ficar sempre observando o outro para ver se ele é melhor ou pior”, diz a psicóloga e terapeuta comportamental Silvia Sztamfater, colaboradora do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mas cada um tem suas habilidades. E é justamente focando nessas qualidades – e não perdendo tempo em apontar os defeitos alheios – que você vai se desenvolver, conquistar seu espaço e se sobressair. Seu colega de embate, acredite, é fundamental no processo, porque o que falta em você pode sobrar nele. Imagine, por exemplo, que os dois precisem apresentar ideias em uma reunião. Em vez de criticar os pontos vulneráveis da sugestão dele, procure contribuir com comentários que vão enriquecê-la. Você demonstra que sabe trabalhar em equipe e valorizar as pessoas, características fundamentais para quem deseja subir de cargo. “Criar aliança com a adversidade permite crescer, e não sucumbir a ela. Além disso, estudos comprovam que a cooperação leva a um estilo de vida com alto índice de felicidade, porque permite a construção de laços de amizade”, explica Julio Peres. Se o coração aperta porque você ainda não sabe se o outro age por insegurança ou se quer mesmo é destruir todos a sua volta, o mestre Cremona joga uma luz: “Os samurais diziam que você deve olhar nos olhos do adversário. É lá que mora a intenção dele”. Portanto, aprenda a interpretar os sinais, não só dos olhos, mas do corpo todo, e a passar as mensagens certas. “Existem três tipos de comunicação”, enumera o especialista em linguagem verbal e não verbal Reinaldo Passadori. “Um deles é a passiva, que acontece quando alguém se expressa com timidez, porque se acha inferior e… é engolido pelo oponente.” As outras são a agressiva, quando se age de forma impositiva, sem respeitar o adversário e, portanto, sem prever que ele pode ser mais forte e machucar você; e a assertiva, que acontece no momento em que um dos dois se dispõe a ouvir e compreender, surpreendendo o outro não com um ataque, mas com um gesto de bondade que funciona como um escudo: a força que seu competidor usou para agredi-lo volta para ele na mesma medida.

O empate é um bom resultado

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Essa história de que o importante é saber competir não é fácil de engolir. Mas entender de fato o que significa perder e ganhar traz uma nova perspectiva. Ganhar inunda o corpo de euforia. “Existem áreas no cérebro, ligadas ao prazer, que são ativadas às vésperas de um evento estressante como a competição”, afirma o psiquiatra Sérgio Ricardo Hototian, pesquisador do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “São verdadeiras tempestades químicas, com substâncias responsáveis pela sensação de felicidade e bem-estar. A satisfação faz do vencedor o centro das atenções, aumenta a autoestima… por algum tempo. Depois, o calor dos aplausos se dissipa com a mesma velocidade com que surgiu. O amor-próprio? Esse leva tempo para ser construído e não pode ser duradouro se suas bases são frágeis e dependentes de aplausos. “Por isso, é preciso ter foco no seu objetivo. Competir só pelo sabor da vitória pode deixar você inebriado pela conquista, mas distante daquilo que realmente busca”, observa a psicóloga Aline Esteves Basaglia, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Perder – e olha que vivenciamos derrotas todos os dias, cada vez que algo não sai como o planejado – também provoca um turbilhão de emoções. Acontece uma redução drástica de testosterona e de adrenalina e, com essa baixa, surge a sensação de que nada mais vale a pena. É uma reação biológica e, portanto, natural. E é também um ótimo jeito de parar e repensar. “Enxergar as limitações leva a dois aprendizados importantes: não se expor a situações que estão acima dos próprios limites ou, então, aceitar o risco de forma consciente, sabendo que sairá mais forte da disputa”, pondera a psicóloga e terapeuta comportamental Silvia Sztamfater. “Claro, no meio do caminho surgem imprevistos e a derrota chega mesmo diante de toda a preparação”, acrescenta. Quando isso acontece, o melhor é colocar o imediatismo de lado. Deixar de ganhar uma mera disputa não significa que tudo está perdido, apenas que é preciso corrigir a estratégia e tentar novamente. Isso dá munição para a próxima – e bem-sucedida – investida. O que leva de volta ao início do círculo virtuoso da competição: a preparação. Se competir, ganhar e perder fazem parte de quem somos, por que não aprender a navegar nos altos e baixos da vida? A vitória será garantida.

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